12 de julho de 2009

Punhado de Coisas

Seria egoísta se simplesmente postasse uma citação de Agatha Christie e não dissesse nada sobre outros acontecimentos em minha vida além da leitura de um livro. Sabe, mesmo que a morte de Michael Jackson não afete diretamente a minha vida, eu não poderia deixar de citá-la, mesmo que com um atraso tão grande como esse.

É um acontecimento importante - mesmo que triste. É marcante porque não havia uma pessoa no mundo que não soubesse quem era Michael Jackson e naquele dia ele se foi. Será que isso significa que com o tempo seu nome não vai ser mais tão reconhecido assim? A dizer pelas últimas vendas eu acho que não tão cedo, mas enfim... Até eu, que não era muito fã de pop, senti sua morte. Como sinto a morte de qualquer um? Sim, e também por ser uma pessoa importante, reconhecida, famosa, que se foi. Eu vivi um momento importante da história. Da história de um grande homem.

Outro assunto que eu acho importante abordar é a busca dos nossos desejos. Recentemente assisti a um filme que já haviam me indicado há tempos: "Antes de partir". E ele me fez pensar numa coisa que às vezes me vêm a cabeça: por que temos que esperar nossa vida estar com dias contados para poder, só então, dar valor à ela e ir atrás de nossos anseios? Sabe, na teoria, quem busca felicidade, deveria fazer qualquer coisa por ela, mesmo que seja a atitude mais louca do mundo. Acho que até já escrevi isso aqui... E, curioso foi que, depois de falar sobre isso com uma pessoa, meu celular tocou. Era uma colega me perguntando se eu ia à uma festa sobre a qual ela tinha comentado há um tempo. Eu tinha me esquecido dessa festa. E sabe, mesmo que o comodismo me forçasse a ficar em casa lendo meu livro ou navegando pela internet, achei melhor ir. Mesmo que não estivesse exatamente animada para isso. Afinal, eu não tenho nada a perder. Ah, e ao pensar com essas palavras, uma onda de lucidez veio a minha cabeça: É verdade, eu não tenho nada a perder. Parece estúpido, mas como uma conclusão tão simples e óbvia foi útil num momento como esse, pelo menos para uma pessoa como eu nesse momento da minha vida. Vou me lembrar desse pensamento sempre que sentir o comodismo me rondando. É um bom antídoto para ele. :)


Bem, quanto à citação que eu disse no início:

" A primeira pergunta que se faz a um escritor, pessoalmente ou pelo correio, é:
- Aonde o senhor vai buscar suas idéias?
É muito grande a tentação de responder assim: - "Sempre vou à Sears", ou "A maior parte eu consigo nos armazéns da Marinha e do Exército", ou, energicamente - "Por que não tenta um supermercado?".
A opinião universal parece acreditar firmemente na existência de uma fonte mágica de idéias que os escritores aprenderam a utilizar.
Na pior das hipóteses, podemos enviar os perguntadores de volta aos tempos elizabetanos, com esta saída de Shakespeare:


Diga-me onde nasce a fantasia,
Se é no coração ou na cabeça,
Como se origina, como se alimenta?
Responda, responda.


A pessoa só pode dizer com firmeza:
- Na minha própria cabeça.
Isto, é claro, não vai ajudar ninguém. Se você gostou da cara de quem lhe está fazendo a pergunta, vai um pouco mais longe.
- Se você se sentiu atraído por alguma idéia em particular e acha que pode fazer alguma a partir dali, você a vira pelo avesso, faz travessuras com ela, abranda-a e, gradualmente, lhe dá uma forma. Então, é lógico, precisa começar a escrevê-la. Não é tão fácil quanto você está pensando: - torna-se um trabalho duro. Outra alternativa é arquivá-la cuidadosamente numa gaveta, para talvez usá-la dentro de um ano ou dois.
Uma segunda pergunta - ou quase uma afirmação - é então a mais provável:
- Eu creio que a senhora tira suas personagens da vida real.
A resposta é uma negativa indignada para tão monstruosa sugestão.
- Não, é claro que não! Eu as invento. Eles são meus. Têm de ser as minhas personagens - fazendo o que eu quero que eles façam, sendo o que eu quero que eles sejam - tornando-se vivos para mim, tendo às vezes as suas próprias idéias, apenas porque eu as tornei reais.
Em resumo, o autor produz as suas próprias idéias e as suas personagens. Mas aparece agora uma terceira necessidade - o ambiente. As duas primeiras vêm de fontes internas mas a terceira vem de fora, precisa estar lá, à espera,existindo realmente. Você não o inventa - ele está ali - é real.
Talvez você tenha chegado de um passeio pelo Nilo, lembra-se de tudo - exatamente o cenário de que necessita para esta história particular. Fez uma refeição num café em Chelsea. Havia uma briga por perto - uma garota puxou o cabelo de uma outra. Excelente princípio para o próximo livro que vai começar. Você viajou pelo Orient Express. Que divertido fazer dele o cenário para a próxima trama que está imaginando! Você vai tomar chá com uma amiga. Quando chega lá, o irmão dela fecha um livro que está lendo, joga-o de lado e diz: - "Não é mau, mas por que diabos não perguntaram ao Evans?".
Imediatamente você decide que vai escrever um livro com este título - "Por que não perguntaram ao Evans?".
Você ainda não sabe quem vai ser o Evans. Não tem importância. Evans aparecerá quando chegar a hora - é o título que está pronto.
Logo, você não inventa os ambientes. Eles estão à sua volta, em torno de você, existem - você tem apenas de estender a mão, apanhá-los e escolher. Um trem de ferro, um hospital, um hotel de Londres, uma praia do Caribe, uma cidadezinha do interior, uma festa, uma escola de meninas.
Apenas uma coisa conta - eles precisam estar ali - na realidade. Pessoas verdadeiras, lugares verdadeiros. Um local bem definido no tempo e no espaço. É preciso ser aqui e ser agora - senão como você vai conseguir saber de tudo? A não ser pela própria evidência de seus olhos e seus ouvidos? A resposta é assustadoramente simples.
É o que a imprensa lhe dá todos os dias, em seu jornal matutino sob o nome geral de '"Notícias". Pegue as da primeira página. Que está acontecendo no mundo de hoje? Que é que cada um está dizendo, pensando, fazendo? Levante um espelho e veja a Inglaterra em 1970.
Olhe para as manchetes todos os dias durante um mês, tome notas, considere-as e classifique-as.
Todos os dias há um crime.
Uma moça estrangulada.
Uma mulher idosa atacada e roubada em suas magras economias.
Rapazes e meninos - atacando ou sendo atacados.
Edifícios e cabinas telefônicas arrebentadas e estripadas.
Contrabando de drogas.
Crianças desaparecidas e corpos de crianças assassinadas encontrados perto das casas onde moravam.
Isto pode ser a Inglaterra? A Inglaterra é realmente assim? A gente sente - não - ainda não, mas pode ser assim.
O terror está despertando - o terror do que pode vir a acontecer. Não somente por causa dos acontecimentos atuais, mas também pelas possíveis causas que estão por detrás deles. Algumas você conhece, outras não, mas sente. E não apenas em nosso próprio país. Há pequenos parágrafos em outras páginas - trazendo notícias da Europa, da Ásia das Américas - notícias de todo o mundo.
Seqüestro de aviões.
Raptos.
Violência.
Desordens.
Ódio.
Anarquia.- cada vez maior.
Tudo parece levar-nos a adorar a destruição, a ter prazer na crueldade.
Que significa tudo isso? Uma frase do passado ecoa, falando da Vida:

... é uma lenda
Contada por um idiota, cheia de sons e de fúria,
Que não significa nada.


E, no entanto, você sabe - por seus próprios conhecimentos - quanta bondade existe ainda no mundo de hoje: as generosidades feitas, a bondade de um coração, os atos de compaixão, a ajuda entre vizinhos, as boas ações de meninos e meninas.
Então, por que esta fantástica atmosfera dos fatos cotidianos - das coisas que acontecem - e que são os fatos verdadeiros?
Para se escrever uma história neste ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1970, você precisa estar enfronhada em seu ambiente. Se o ambiente é fantástico, então a história precisa aceitar o seu cenário. Precisa, igualmente, ser uma fantasia - uma extravagância. A montagem precisa incluir os fatos fantásticos da vida de hoje.
Consideremos uma causa extravagante? Uma campanha secreta para tomar o Poder? Poderia um desejo maníaco de destruição criar um mundo novo? Alguém poderia dar um passo à frente e sugerir uma libertação por meios absurdos?
Nada é impossível, a ciência já nos ensinou isso.
Esta história, em sua essência, é uma fantasia. Não pretende ser nada mais do que isto.
Mas a maior parte das coisas que acontecem nela estão acontecendo ou prometendo que irão acontecer no mundo de hoje.
Não é uma história impossível - é apenas uma história fantástica."

Agatha Christie

Essa é a "Fala da autora" no início de Passageiro para Frankfurt. Francamente, não é o melhor livro dela que eu já li, mas é interessante ver o que algumas pessoas falam dele: tratam-no como o destamento de Agatha - ela já estava em uma idade avançada quando o escreveu - e como a visão que ela tinha daquele "mundo que não entendia". Olhando por esse ângulo dá para entender melhor. E sabe, dá para saber claramente que ela era uma mulher informada, lendo os jornais todos os dias. Se eu fosse uma boa menina, faria o mesmo...

Enfim, quanto ao discurso, só o coloquei porque me identifiquei muito com o começo e sempre quis ter a aportunidade de questionar algum autor(a) sobre sua obra. E, bom, mesmo que o texto pareça meio "viajado" para alguns da metade para frente, ele começa a fazer sentido quando se chega ao final do Livro I de Passageiro para Frankfurt. Outro motivo para colocar o "testamento" inteiro é a coesão. Realmente gostei da maneira como ela ligou idéias tão distintas. Bom, já era de se esperar, afinal, estamos falando de Agatha Christie.