19 de novembro de 2011

Charles


Naquela noite, ela estava na pizzaria comigo no balcão quando ele chegou. Entrou pela porta da frente e assim que viu minha irmã, seus olhos pareciam ter se iluminado. Ela usava uma blusa azul índico e uma jaqueta branca por cima. Simples, e perfeita para ele.
- Para você não falar que eu não venho mais comer pizza. – lançou ela com um tom de brincadeira.
A resposta foi uma risada leve. Ele me “cumprimentou”:
- Ah, trouxe o Charles.
- Ah, não vim nem um pouco sozinha... – apontou discretamente com a cabeça para a mesa ao fundo, onde estavam nossos pais.
Martin fez uma careta de medo fingido e riu de novo. Ela sorriu e o olhar que eles trocaram foi ao mesmo tempo tão breve e tão terno que... Não sei dizer. Cheguei a ficar com inveja de não compartilhar um sentimento daqueles com alguém. Mas foi naquele olhar que eu percebi: eles não tinham nada de fato - um beijo não definia nada, a meu ver... - , mas ambos sentiam aquela atração.
E Gatusha? Bom, ela estava do outro lado do balcão. Na verdade, conversava conosco antes de ele chegar. Pois é, acho que, talvez, ela já tivesse perdido as esperanças com relação a Martin. Não porque tivesse percebido o que havia entre ele e minha irmã, ainda não, mas simplesmente por achar que os acasos da vida eram injustos com ela, levando à pizzaria de seu pai um garoto perfeito, mas que nunca vai acompanhá-la até em casa, como faz com as outras, porque ela mora no andar de cima.
De qualquer maneira, Martin não ficou muito tempo enquanto estávamos lá. Naquele dia, resolveram pedir muita pizza e ele saiu várias vezes, sendo que o único outro intervalo que ficou com a gente por mais de dois minutos foi quando nos serviu à mesa. Sim, fez questão disso, e ainda teve o galho quebrado porque Gatusha estava ocupada com outros fregueses.
Engraçado que, meu pai o encarou muito. Pena que não valeu de muita coisa. Quer dizer, foi um encarar vazio, desses de quem vive na correria do dia-a-dia, e assim que o garoto que está servindo as pizzas se virar, ele não vai mais se lembrar da sua fisionomia. E mesmo que dessa vez tenha parecido que ele olhava com alguma atenção, devo ter me enganado. Minha mãe conversava algo que ele respondia de maneira desatenta também.
Quanto a Martin, ele estava na batalha com um pedaço de queijo quando terminei de analisar o comportamento do meu pai. Ele deixou o último pedaço para minha irmã e pôde, assim, lançar um olhar mais demorado sobre ela enquanto os outros estavam preocupados em comer.
E depois da pizza, pareceu-me que minha irmã demorou um pouco mais que o normal para que pudéssemos ir embora. Ah, com certeza, era uma tentativa para encontrá-lo mais uma vez, mas ele não voltava da entrega. Partimos.
Mesmo assim, ela não parecia triste. O dia devia ter valido a pena. Viram-se e falaram-se.
Porém, para ele, ao voltar e não vê-la mais lá, sentiu-se um pouco decepcionado, imagino. Malditas entregas! Bom, ossos do ofício... Não, a noite não findaria assim.
Estávamos na varanda sentados na escada, observando as estrelas. Eu falava de algo nem muito importante, mas gostaria, pelo menos que minha irmã prestasse atenção. Não que ela estivesse totalmente desatenta, mas parecia que não a interessava muito. Então, ela me pediu que fosse pegar o baralho.

E enquanto ela estava sozinha, uma moto parou do outro lado da rua. Era ele. Tirou o capacete, despregou um papel de cima de uma pizza, atravessou a rua com o andar elegante de sempre, ela abriu o portão.
- Tenho uma entrega para fazer nesse endereço – Martin disse entre sorrisos, mostrando o papel que tinha nas mãos – Sabe onde fica?
- Contorne a praça e vire na segunda rua à direita – ela respondeu cheia de graça – Vou te mostrar. Vem comigo.
Ele a seguiu por alguns passos até o outro lado a rua e mais um pouco à frente, de onde dava para avistar as ruas mais baixas por cima da mureta da praça.
- È naquela rua. Tem uma placa. As ruas aqui são meio confusas às vezes porque tudo parece igual, mas não tem como errar.
- Hum... Bom, sua ajuda foi muito útil, senhorita. Obrigado.
A conversa entre eles era tão leve, descontraída, cheia de sorrisos e conforto, quase como se se conhecem desde sempre. 
E então, ele olhou para a sua moto um pouco mais atrás e emendou:
- Já andou de moto?
- Há! Não, não... Sou meio traumatizada com motos...
- Essa desculpa não cola... Qualquer dia desses vai andar comigo. Faço questão de oferecer uma carona.
- Ok, você me convenceu.
- Bom, então eu vou para a entrega das pizzas... Até mais ver.
- Até amanhã, você quer dizer.
- Ah, amanhã... – revirou os olhos: escola. Subiu na moto e foi-se.