25 de março de 2011

Meu porto

Minha casa é o porto seguro ao qual eu chego à noite, depositando minhas malas ao chão, sentindo seu cheiro, seu ar morno me envolvendo como num abraço acolhedor. As paredes tão brancas, uma organização um tanto anormal, flores na parede da cozinha me lembram o dia em que cheguei depois do carnaval. Boas lembranças. Nada como estar em casa e agora eu sei disso mais do que nunca. E claro, a nostalgia não podia ser maior. Começou à noite e tem se estendido até agora em qualquer detalhe. A copa iluminada pela luz do dia que entra pela janela, sol radiante lá fora, café da manhã ainda de pijama. O céu é azul como os tempos de inverno, mas o clima ainda é quente. Ter a Lila nos braços, acariciar seu pelo, ver meu olhar retribuído pelo dela. No chão, é como quando era pequena e chegava da escola. Brincar com ela lá fora, como nos velhos tempos. O cheiro do perfume que minha mãe passa me lembra as manhãs de sábado pós-prova, quando eu saía apressadamente para lhe comprar um presente de dia das mães com uma colega. As tardes, depois, eram de tanto alívio, descanso na frente da TV, vendo filmes seguidos e me deleitando em histórias escritas sobre garotas que moram num internato ou sobre um amor inusitado na Roma contemporânea. Isso é muito abril. Sentada diante do meu computador antigo, escutando músicas que fizeram parte de minha vida há tanto tempo. Até parece que vivo aqueles dias de novo. E hoje bem que poderia ser sábado, parece tanto sábado. Agradeço por não ser: terei mais tempo em casa.
Nada podia me dar mais certeza de estar em casa do que voltar às páginas inacabadas do meu livro preferido. Chocolat. Ah, como é bom te ter em mãos depois de tanto tempo. Começo minha leitura no meio da página, como se tivesse terminado ali ainda ontem. Frescos na minha mémoria, os acontecimentos me envolvem. A análise dos personagens também. Tão frágeis, tão humanos, como eu. A cada releitura apreende-se um pouco mais do que não foi percebido à primeira, segunda ou terceira vez. Uma parte foi marcante para mim dessa vez, como uma lição, que segui nesta semana que chega ao fim. Tive que seguir, pois para mim não há coisa que faça mais sentido desde que li:

Sorri do seu tom sério.
- Eu diria que você andou conversando com Armande - falei gentilmente. - E também diria que você e ela têm direito às suas crenças. Contanto que elas os tornem felizes.
(..) - E no que você ... se não for nenhuma pergunta impertinente...no que você acredita?
(...)- Acredito que ser feliz é a única coisa  importante - disse-lhe finalmente.
Felicidade. Simples como um copo de chocolate ou otrtuosa como o coração. Amarga. Doce. Viva.

Foi pensando nisso que tomei a decisão séria de voltar atrás. Vi que me acostumaria com a vida corrida da capital no fim das contas, mas não com felicidade, com qualidade de vida. Além do choque de sair de casa, houve aquele de passar a viver em um lugar totalmente diferente daquele com o qual estou habituada. Abrir mão de certas coisas que me trariam lazer não pareceu valer à pena e me vi em fuga terça-feira de manhã. Quanto mais rápido o carro ia e mais longe ficava, melhor eu me sentia. Alívio. Longe, longe, estou deixando para trás essa vida que eu não quero para mim. Procurei algum remorso em minha mente. Conscientemente talvez ele estivesse lá. Mas verdadeiramente implantado em meu coração não.Eu sei que para conseguir o que se quer, há de ter algum esforço, mas alguma coisa gritava em mim para não ficar naquela cidade. E guiada pelas emoções como sou, parti. Sim, não deixa de ser uma fuga. Mas gostei do meu destino.
O lugar onde eu moro é bem melhor, com garotas simpáticas e engraçadas. A cidade é toda histórica e menor, ao modelo de vida da minha natal. A faculdade é próxima, tudo o é. E ali eu me sinto mais acolhida, mais escondida um pouco do mundo enquanto passo por essa fase de crescimento. Eu tive a oportunidade de escolher, o que nem sempre é fácil quando nós somos os únicos responsáveis por nossas decisões. Mas daqui pra frente devo me acostumar com isso. E que bom que houve opções.
Nenhum lugar é como o lar, por melhor que seja. E isso de ter de partir em algum momento é cruel. Em todos os animais, é cruel. Mas talvez conosco, humanos, seja pior, por conta da tal consciência e do nosso crescimento demorado, durante o qual passamos anos e anos com a família nos apegando. É até um pouco estranho caminhar pela minha cidade agora. Chegar nela. É como se fizesse tanto tempo. É tão familiar e tão diferente. Meu lugar. De onde eu falo mal, mas para onde eu sei que vou querer voltar. 

19 de março de 2011

Primeiras impressões

Daqui não dá para ver o céu. Mas, azul ou não, estar nessa cidade já não é mais encantador como da primeira vez. Eu só acordo no final de semana querendo voltar para casa. Esperando acordar no meu quarto e percebo, infelizmente, que continuo na mesma cama estreita em que adormeci e tive sonhos confusos. Acordo com uma saudade imensa daqueles que eu amo e não tenho ninguém comigo. Quero dormir mais, pois sei que tenho sono, meus olhos pesam, mas os barulhos externos não deixam e eu opto por levantar. Preparo meu próprio café da manhã na cozinha comum e espero que ninguém apareça. Não tenho vontade de conversar com ninguém, não me sinto bem falando. É como se as palavras ou o tom da minha voz pudessem denunciar o desconforto que eu sinto ou eu não confiasse em mim mesma e pudesse gritar a qualquer momento que quero voltar para minha vida de antes.
Mudar não é fácil. Essas novas etapas que a gente tem que encarar não são vividas facilmente, principalmente para quem não se adapta rápido. E por mais estranho que pareça, experiências anteriores me prejudicam, já que tenho com o que comparar minha vida aqui. Já passei por isso de entrar numa faculdade antes, morar em uma pensão em uma cidade diferente, e foi tudo tão mais fácil, eu gostava bem mais. Era mais feliz. Vim para a capital esperando encontrar algo parecido, esperando que eu fosse capaz de lidar com essa transição de forma madura. A verdade é que não sou (ou pelo menos não estou) madura o suficiente para lidar com isso sem chorar, sem odiar toda essa situação. São pequenas coisas que não são fáceis para mim e só me fazem querer estar em lugares melhores que eu sei que existem por aí.
Ser maior de idade não me torna mais adulta. Um ano a mais na conta de idade não muda o que se tem na cabeça ou me torna menos vulnerável a certas coisas. Não me vejo daqui dois anos e meio. Não me enxergo aqui, não ainda, pelo menos. Saber que eu tenho a opção de voltar atrás e resgatar uma vaga que deixei solta por aí me faz ter muita vontade de seguir essa idéia louca, mesmo que isso me custe mais meio ano da minha vida. Agora até parece que todo aquele esforço para estar em uma faculdade foi pouco. Olhando as garotas que estudam tanto no pré-vestibular eu tento me lembrar do quanto sou sortuda. Só é um pouco difícil encaixar a idéia de sorte com tudo que o nome de uma grande faculdade carrega.
O que me mantém aqui também são as lembranças da primeira vez em que estive na cidade. Tudo se apresentou de forma tão diferente, tão bonito, acolhedor, com tantas possibilidades de crescimento. Ah, essa vontade de ser grande, olha aonde ela acabou me trazendo... Espero que o “me acostumar” seja, não encarar como agora, de má vontade, tudo ao meu redor e mesmo assim seguir em frente, mas sim voltar a enxergar aquilo que meus olhos viram e meu coração sentiu da primeira vez.