27 de fevereiro de 2010

Um pouco de irreverência - 201º post

Miudez, quentura, gosto. Mover-se pouco. Não dizer. As mãos na parede. No corpo. Pensar o corpo, tentar nitidez. Hillé menina tateia Ehud menino. Dedos dos pés. Se a gente mastigasse a carne um do outro, que gosto? e uma sopa de tornozelo? E uma sopa de pés? Na comida não se põe pé de porco? Por que tudo deve morrer hen Ehud? Por que matam os animais hen? Pra gente comer. É horrível comer, não? Tudo vai descendo pelo tubo, depois vira massa, depois vira bosta. Fecha os olhos e tenta pensar no teu corpo lá dentro. Sangue, mexeção. Pega o microscópio. Ah, eu não. Que coisa a gente, a carne, unha e cabelo, que cores aqui por dentro, violeta vermelho. Te olha. Onde você está agora? Tô olhando a barriga. É hor-rível Ehud. E você? Tô olhando o pulmão. Estufa e espreme. Tudo entra dentro de mim, tudo sai. Não tem nada que só entra? Não. E Deus? Deus entra e sai, Ehud? Isso não sei. O padre diz que Deus está dentro do coração. Então espia o teu, vê se ele tá lá dentro. Tô espiando. Taí? Não. Deixa eu escutar o teu coração. Nossa, tá batendo. Claro, o teu também, deixa eu escutar. Sabe, Hillé, você tem cheiro dife-rente do meu, tem cheiro de leite, imagine. Tem sim. Te cheira. O pai tem cheiro bom, a mãe também. Eles usam perfume. Por quê? Não é bom a gente cheirar o cheiro da gente? Não sei. Por que a gente se veste? É feio ficar pelado? Eles dizem que é. Por quê? Olha a lagarta, ela tá pelada, coitada. Ehud, escuta: você já viu Deus? Eu não, Deus me livre. Por quê? Ah, sei lá, a gente não conhece. Ehud, escuta: você também vai morrer? Eu não. Como é que você sabe? Só gente velha é que morre. Você vai ficar velho também. Eu não.

HILDA HILST, A obscena Senhora D