31 de março de 2012

Bolinhas

Não importa onde você parou
ou em que momento da vida você cansou.
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo.
É renovar as esperanças.
E eu pergunto: sofreu muito nesse período?
Foi a dor do aprendizado. Chorou muito?
Foi a limpeza da alma.
Ficou com raiva das pessoas?
Foi para perdoá-las.
Acreditou que tudo estava perdido?
Era o início da tua melhora.
Carlos Drummond de Andrade

Foi estranho. Como uma daquelas tardes de sábado em que você combina de ficar com um menino e aquele constrangimento paira no ar, pelo menos no começo. Uma sensação boa (ou várias) geralmente acompanha essa situação, junto com o friozinho na barriga inicial. No caso, as situações só se assemelham no desconforto mesmo.
Chuva, céu azul, o tempo não se decide. Acabamos sentadas à beira da vitrine de uma loja de roupas masculinas. As portas estavam fechadas por ser sábado à tarde. A marquise nos protegia da chuva. E enquanto conversávamos, as pessoas ao redor passavam como objetos, como parte do cenário, integradas demais à rotina. Eu só conseguia olhar para elas e me perguntar se elas sabiam dessa verdade maligna que eu e minha amiga discutíamos. Toda a descrença, a realidade por trás das máscaras que vestimos para atuar no cenário social. Na realidade, nossa conversa estava mais para um acerto de contas e no momento ela era mais uma ex-amiga, se é que isso é possível. Ela foi uma das grandes responsáveis pelo desastre intitulado meu aniversário. Na verdade, eu fui a culpada por deixar que ela ganhasse tamanha importância, mas essa não é a questão agora.
Num gesto de raiva e rebeldia, eu disse adeus. Não quero por perto quem não me valoriza e me faz sofrer. Ela, no entanto, quis a chance dela e esse foi o dia em que conversamos. E quando me vi, já estava dizendo verdades cruas demais para ela. Cansei de tentar te ajudar a sair dessa situação, é óbvio que você não quer. Tentei te ajudar a sair dessa e acabei ficando igual a você. Mas eu não quero ser igual você, não quero ficar assim. Para mim as coisas não estão iguais agora. Não te vejo como antes. Para mim, os nossos defeitos não se aplicavam à nossa amizade: eu não te decepcionava como as outras pessoas e você não era complicada para mim como as outras pessoas. Mas agora, eu vejo que não vamos além das nossas limitações só porque temos uma relação de amizade.
Ela disse que para ela nada mudou. Mas eu, como complicada da situação, já estava vendo as coisas diferentes. Eu não quero isso também, não quero que minhas relações sejam complexas assim só pelo meu modo de ver as coisas, por isso decidi perdoar minha amiga. Disseram-me que esse era o caminha para mudar, e eu resolvi tentar, porque estou disposta a ser alguém melhor.
O fato é que as coisas continuaram estranhas até o fim do encontro. E depois não nos falamos mais.

Quando cheguei em casa hoje à noite, havia um presente em cima da minha cama. O embrulho era prata de bolinhas pretas bem miúdas e carregava um selo dourado de uma loja de presentes que gosto muito e um envelope rosa claro introduzido em uma dobra do papel. O segundo presente de bolinhas que ganho hoje. O primeiro foi uma pasta, muito útil para quem tem milhões de textos espalhados por aí. Gosto de bolinhas. São irreverentes, do jeito que a gente precisa ser algumas vezes na vida. Sem pudor, sem pensar, deixando o orgulho de lado, mostrando o jeito de ser, o que gosta, sem vergonha.

"Vá buscar os seus sonhos por mais impossíveis que pareçam, acredite sempre e siga o seu caminho. O amanhã nasce do que você sonha hoje. Feliz Aniversário!"

Esse era o texto do cartão.E em uma caligrafia que expressa inegavelmente a personalidade da dona:
"Os dois singelos presentes trazem 2 mensagens. Uma é óbvia, a outra é uma sugestão para que você expresse suas doces idéias, as que despertam prazer e alegria. São dessas que devemos sempre lembrar, pois elas aliviam a tensão da seguinte pergunta: o que te faz feliz? (...)"

Como li o cartão primeiro, fiquei curiosa e logo abri o embrulho. Dá para deduzir que um dos presente é um adorável caderno, o que eu não ia adivinhar é que ele tem formato de sorvete!
Estávamos até agora pouco conversando sobre o que sempre falamos: dos outros, da vida e de psicologia, com muito humor.
Esse presente atrasado foi o melhor de todos, não simplesmente pelo palpável, mas também pelo ato de perdoar que aprendi com ele. O porém é que algumas pessoas são mais fáceis de perdoar do que outras. Por que? Acho que estou pronta para o segundo passo da minha mudança.