19 de janeiro de 2012

Visita (relatos tc)


Quando pequena, aquela sala me parecia tão menor. E do que eu mais me lembro são dos potes com doce de leite em cubinhos, cocadas brancas e bolachinhas. Eram tão gostosos, as cocadas especialmente misteriosas para mim. Era o que eu mais gostava ali, já que minha visita não era obrigatória, pelo menos por nenhum laço sanguíneo.
Mas, como não podia deixar de ser, aquela mesma estante está bem menor do que eu me lembrava e deve ter as mesmas fotos de antes, pois nelas os netos continuam crianças. Não estou ali, claro. Não deveria estar.
A casa continua com o mesmo portãozinho baixo. O contraste do antigamente com os dias de hoje, confiança e roubos. Lá dentro, as paredes pintadas há pouco tentam disfarçar a idade dos tijolos como maquiagem. O amarelo claro e o azul bebê das janelas de madeira.
A televisão com legendas para o ouvido surdo. Ela está sentada ao lado da mesa de jantar com o andador logo à frente. Uma miudeza que chega a ser encantadora envolta em rosa. Meiga. Os inúmeros cabelos brancos brilhantes. Já foram mais volumosos, mas quando se tem mais de 90 anos, algumas coisas mudam. E nesse momento não parece importar se ela foi boa sogra, mãe, esposa, ou o que quer que seja. Agora, ela não parece má. Ela continua perspicaz sabendo os números de telefone de cor e pena e afeição são praticamente meus únicos sentimentos.
(...) Observei muito mais do que falei, juntando o atual com minhas memórias embaçadas. A conversa durou menos do que eu esperava. Saímos para a ruazinha tranquila e escura. Um bom lugar no centro para se morar. Provavelmente nunca mais entrarei naquela casa.