20 de janeiro de 2012

Almoço (relatos tc)

Uma das coisas mais impressionantes e maravilhosas é que havia sol. Há tanto que eu não via um sol radiante daqueles. Acordei mais tarde do que devia e seguimos nosso trajeto pela rua da minha última escola. As árvores brilhavam de um jeito que só acontece naquela cidade, aquele jeito familiar que eu encarei de novo com carinho.
Deixei claro que não queria colocar os olhos sobre a antiga casa. Quero manter intacta na memória sua imagem, e sei que hoje ela passa por reformas. Quero manter no coração a sensação de lar, e não de uma perda. Quero manter as chapas que cobriam a garagem, a capela que minha avó mandou fazer, a grama verde com a Lila correndo sobre ela. Quero manter os mesmos móveis no lugar, o cheiro da minha casa. A visão que eu tinha olhando de dentro para fora, e não de fora para dentro, querendo entrar e sabendo só traria mais saudade. Quero guardar a visão que eu tinha ao subir na mureta e olhar a rua de cima, e só.
Minha mãe concordou comigo. E fiquei feliz por isso, por ela também escolher o menos doloroso.
E foi com ironia que o rio não invadiu as ruas do bairro este ano, nem com nível alto estava. Notei que andar por sobre aqueles ladrilhos era diferente de andar por qualquer outro lugar da cidade. Ali, parecia que eu nunca tinha saído dali. Era quase como voltar da escola naqueles tempos em que tinha companhia até a rua de casa. E ao virar a esquina, esperava sentir um choque, arrepio, vontade de chorar, esperava reações. Elas não vieram. Pelo contrário, só foi maior a certeza de que nunca deixei de morar naquela rua larga e acolhedora. 
Enquanto minha mãe cortava o cabelo no salão de costume, fui até a padaria improvisar um café da manhã. A dona sempre me pareceu louca, e isso também não mudou. Fiquei feliz em ver uma velha casa reformada e habitada. Ela costumava ser realmente largada, com sua grama muito alta e grandes ferramentas enferrujadas penduradas na janela da frente, a grade azul anil suja. Agora é de uma cor que gosto muito, um tom que aparece Nescau, e aparenta ser muito limpa. Fiquei realmente feliz pela renovação, mesmo sem saber quem mora lá agora. Acho que, para mim, foi como uma representação material de que a renovação é possível.
Encontramos pessoas conhecidas no salão. Uma antiga professora passou rapidamente. Esperava mais euforia ao me ver, como antigamente. Depois me lembrei que não fiz nada de grandioso, ainda, para merecer um sorriso largo e várias perguntas. Faculdade não conta como "ato heróico", já que não fiz a escolha que eles consideravam a melhor. Mas não me deixei abalar, tenho no coração paciência, meu momento ainda vai chegar, ergo tijolos a cada dia para isso.
Tocamos a campanhia e, a princípio, ela não nos reconheceu. Minha "avó postiça". A visita ali também foi breve, mas torci para as lágrimas não virem à tona. Alguém fazia o almoço enquanto conversávamos na sala. Uma cadela de pelúcia que já foi minha estava no sofá oposto ao nosso, em demonstração de carinho, e nossa anfitriã em sua cadeira do papai cor creme. Contamos do réveillon, naves espaciais e empolgação.  Ela perguntou o inevitável e me vi embaraçada ao falar do assunto. Parece que a ferida ainda não está totalmente cicatrizada. Ela parecia já saber que não daria certo de qualquer jeito. 
Depois, seguimos para o almoço. O convite inesperado, que aceitamos, para a nossa própria surpresa. Ovos fritos, comida caseira, simples, mas gostosa, panelas de barro, muita salada, fartura. Comida mineira. Senti-me visitante de minha própria terra. E conversamos de várias coisas, tão à vontade naquela casa que nunca tínhamos adentrado tão profundamente. De presente, um livro de receitas, de encanto, um bebê, Júlia. Acho que nunca gostei tanto de uma criança. O que mais admirei foi não haver nenhum choro, apenas vontade de explorar, aprender. Pude ver que compreendi mais de algumas aulas do que imaginava.
Ali parecia um mundo a parte, de aconchego, conversas amigáveis, amor fraterno, conforto e simplicidade, alegria. Foi nossa visita mais longa. Até que atravessamos o portão, trocamos mais algumas palavras e demos uma última olhada para nossa rua, na direção da casa que um dia foi nosso lar, mas sem nunca enxergá-la de frente. Eu a enxergo com os olhos do coração nas lembranças, e não é preciso estar a poucos metros de distância para isso.