28 de junho de 2010

Lucidez e Insanidade

Ébrio, meu pianista pegou um objeto qualquer e depositou sobre a cauda daquele instrumento que ele sabia tocar tão bem. Os olhos turvos voltaram-se para mim como se eu fosse um corpo estranho no ambiente, um ponto de lucidez naquele mundo louco que girava à volta dele. E embora para mim nunca fosse ruim estar com ele, era ele que não parecia feliz. E então eu não sabia se era bom ou não ser um ponto de lucidez.
Perguntei se ele queria que eu fosse embora. Ele desviou os olhos, como se para pensar, e por fim respondeu que não. "Você pode ficar... Pode ir para a sala, se sentar lá. Só vou fexar as coisas aqui...". Tropeçando nas palavras, parecia atordoado, havia alguma dificuldade para raciocinar. A bebida. E eu, como não sabia o que dizer, não disse nada. Assenti com a cabeça e fui. À porta, dei uma última olhada para ver o que ele fazia. Tomava mais um gole.
Na sala, sentei-me no sofá coberto por chales. Era realmente confortável lá e fiquei a ouvi-lo fechar o estúdio, até que ele apareceu e se largou no sofá ao lado. Intercalando as palavras com soluços de embriaguez, disse que não queria que eu o visse daquele jeito. "Eu bebo para esquecer. Esquecer os problemas, esquecer que a vida é um porre... (..) Mas ainda estou lúcido o bastante para não dizer as coisas erradas aqui, não dizer que amo o errado, que estou ficando louco... É, louco." Tantas risadas frustradas e arrastadas. Roucas pela pouca disposição a falar. "Cada minuto comigo é mais um passo para a insanidade, garota." E isso ele me disse olhando fundo nos olhos. "Não vá embora, não quero ficar sozinho." Queria tanto dizer que compartilhava daquela insanidade mais do que ele podia imaginar, mas apenas disse que não o deixaria naquele estado, ainda mais estando infeliz. Eu odiava vê-lo assim. E ele também odiava estar daquele jeito, mas o fato era que ele tinha tantas coisas que muitos homens adorariam ter em questões materiais. "... mas a coisa que mais quero não posso ter." Lançou-me um último olhar triste, recostou a cabeça no sofá e em poucos segundos estava dormindo, sereno.


Você se lembra do pôr-do-sol morno e das teclas passionais do piano ao fundo e se pergunta por que as coisas não podem ser como antes...