8 de novembro de 2010

Budapeste. Novembro daquele mesmo ano. A neve caía não muito intensa, mesmo assim o vento frio parecia ter a intenção de cortar nossa pele. Sempre caminhávamos um pouco pelas ruas próximas e voltávamos para nos refugiar no bar do hotel. Quente, ali era bem quente e aconchegante. As bebidas eram servidas no pequeno balcão e os hóspedes podiam se acomodar nas baquetas ou nos grandes sofás de couro.
Optei por um desses últimos e comecei a olhar fotos que havíamos tirado em nossa pequena excursão da manhã. Os rapazes ficaram pelo balcão conversando com Jeremy, o garçom. Ele era sueco e parecia que estava no país de forma ilegal, sendo que isso de alguma forma chamou a atenção de J., principalmente.
Depois de alguns minutos, o pianista veio com uma dose generosa de chocolate quente para mim e conhaque para ele.
- Desculpe, garota, mas não pode beber em serviço.
-Claro, é verdade. E voce está de férias, então?
Ele fingiu fechar a cara:
- Me pegou, hein?
Sorri, apenas, em resposta, e me reconfortei no meu chocolate quente. Foi um alívio ter minhas mãos em contato com a porcelana quente, já que elas tremiam contra o metal frio da câmera.
- Apesar da temperatura, a paisagem é muito bonita, não acha? - ele perguntou recostando-se na poltrona à minha esquerda. Parecia anos mais velho.
- Com certeza, é tudo muito bonito, e as construções aqui são magníficas. Aliás, temos visitado vários lugares maravilhosos. Tenho aproveitado tanto nossas viagens.
Pausa.
- Não pensava que chegaria aqui, sabe? Turnês, todas essas viagens, multidões, programas de rádio e tv... fama. Parece que era ontem, eu ainda um menino de cidade pequena, disputando com meu irmão a atenção em casa..  A música sempre foi minha paixão, e embora quisesse compartilhá-la, ela era antes de tudo meu refúgio. Ainda é, mas não é fácil quando todos querem saber cada vírgula do que voce pensa, entende?
"De qualquer maneira, é nessas horas, quando eu olho onde estou, que eu sinto falta de algumas coisas de casa, de uma vida menos nômade."
Tentei me colocar no lugar dele. Era possível entender aqueles sentimentos, talvez algum dia fosse a minha vez de senti-los. Depois de alguns meses de viagem, quem sabe. No momento, aquela "vida nômade", como ele havia entitulado, era encantadora para mim e vários aspectos e viera na hora certa para me salvar da minha antiga condição.
Percebi, então, com o que ele veio a dizer, qual era o objetivo da conversa.
- Eu digo isso porque, além de ser bom ter alguém compreensiva como voce para poder conversar sobre isso, talvez voce queira voltar para casa neste Natal. Talvez você queira estar com sua mãe depois do que aconteceu. Ou com o resto da família também. Talvez com algum coração partido que você tenha deixado para trás quando foi embora...
A última frase foi dita com um tom próximo da vergonha e alguma curiosidade embutida. Minha resposta foi igualmente  sem graça e meu estado era de total perplexidade. Será que ele ainda não havia percebido? Todos os meus esforços eram para ele, todos os meus olhares e cuidados. Eu queria fugir disso de certa forma, mas ele estava sempre presente, quando não era fisicamente, estava em minha mente. Havia, então, outra parte, mais forte, que não queria se livrar desse sentimento por ele. 
De qualquer maneira, respondi em voz alta a síntese constrangida de meus pensamentos:
- Não existe coração partido, e mesmo que houvesse, já se passou muito tempo.
- Sim, faz um bom tempo (..). Mas, bem, se você tem passe livre para voltar para casa depois que passarmos pela Suíça.
-Obrigada, mas estou a trabalho, lembra? Não posso deixar vocês na mão em uma hora dessas, vamos ter fotos ótimas para a divulgação.
-Eu sei garota, mas... às vezes precisamos dar um tempo para cuidar do que é pessoal.
-Seu eu for, aviso vocês.
-Certo.
E subiu para seu quarto. Nos reencontramos mais tarde, na hora do almoço.