7 de novembro de 2009

Abandono

Ler ouvindo: Trust Me -The Fray
A menina tinha uns 5 anos. Com a vozinha desafinada ligava para o pai todas as noites e contava o que fez. Ele perguntava da mãe, ela dava os recados que ele pedia. Imagine uma ponte. Ela funcionava bem como isso.
Nos finais de semana o pai estava na cidade e eles combinavam de ir passear. Ela acordava cedo e ficava na expectativa, como sempre ficava com pessoas que vêm de vez em quando. Sentava-se no passeio para esperar o pai chegar. Olhava ansiosamente para o fim da rua esperando o carro contornar a esquina. Os estranhos passavam, a vizinha passava, a Teresinha perguntava o que ela fazia ali. Estou esperando meu papai. E os minutos eram tão lentos. O céu azul acima, o sol, o vento acariciando os cachos dos cabelos claros, a palmeira do jardim da frente dançando aquela dança também. E ele não chegava... Os lentos minutos se transformavam em horas.
A mãe, de dentro da casa, olhava preocupada para ver se estava tudo bem, e depois de chamar algumas vezes, insistindo nas últimas, fez com que a filha entrasse, vencida. Ele não veio.
Esqueceu de mim.
À noite, quando vinha, era só depois que a menina havia se deitado. Até que um dia ela lutou contra e sono e na cama mesmo, conseguiu ficar acordada. Ouviu finalmente o motor do carro. Ouviu a porta se abrindo. Sussurros. Passos pesados. O chaveiro na porta de outro quarto fazendo barulho contra a maçaneta. O som que nunca mais saiu de sua memória, que trouxe à consciência a dor de ouvir a porta de um quarto se fechando. Seus pais lá dentro. Ele nem foi vê-la, mesmo que dormindo. Mesmo que sonhando, com o dia que podiam ter tido juntos.
E agora que sabia que era capaz de ficar acordada até que ele chegasse não conseguia dormir mais, por mais que quisesse. Aquela cena repetida várias vezes. E o que ela sentia era um aperto no peito, indescritível, ela ainda não sabia o que era. É que ele não veio para vê-la.
Esqueceu de mim.