Naquela noite, ela
estava na pizzaria comigo no balcão quando ele chegou. Entrou pela porta da
frente e assim que viu minha irmã, seus olhos pareciam ter se iluminado. Ela usava
uma blusa azul índico e uma jaqueta branca por cima. Simples, e perfeita para
ele.
- Para você não falar
que eu não venho mais comer pizza. – lançou ela com um tom de
brincadeira.
A resposta foi uma
risada leve. Ele me “cumprimentou”:
- Ah, trouxe o Charles.
- Ah, não vim nem um
pouco sozinha... – apontou discretamente com a cabeça para a mesa ao fundo,
onde estavam nossos pais.
Martin fez uma careta de
medo fingido e riu de novo. Ela sorriu e o olhar que eles trocaram foi ao mesmo
tempo tão breve e tão terno que... Não sei dizer. Cheguei a ficar com inveja de
não compartilhar um sentimento daqueles com alguém. Mas foi naquele olhar que
eu percebi: eles não tinham nada de fato - um beijo não definia nada, a meu
ver... - , mas ambos sentiam aquela atração.
E Gatusha? Bom, ela
estava do outro lado do balcão. Na verdade, conversava conosco antes de ele
chegar. Pois é, acho que, talvez, ela já tivesse perdido as esperanças com
relação a Martin. Não porque tivesse percebido o que havia entre ele e minha
irmã, ainda não, mas simplesmente por achar que os acasos da vida eram injustos
com ela, levando à pizzaria de seu pai um garoto perfeito, mas que nunca vai
acompanhá-la até em casa, como faz com as outras, porque ela mora no andar de
cima.
De qualquer maneira,
Martin não ficou muito tempo enquanto estávamos lá. Naquele dia, resolveram
pedir muita pizza e ele saiu várias vezes, sendo que o único outro intervalo
que ficou com a gente por mais de dois minutos foi quando nos serviu à mesa.
Sim, fez questão disso, e ainda teve o galho quebrado porque Gatusha estava
ocupada com outros fregueses.
Engraçado que, meu pai o
encarou muito. Pena que não valeu de muita coisa. Quer dizer, foi um encarar
vazio, desses de quem vive na correria do dia-a-dia, e assim que o garoto que
está servindo as pizzas se virar, ele não vai mais se lembrar da sua
fisionomia. E mesmo que dessa vez tenha parecido que ele olhava com alguma
atenção, devo ter me enganado. Minha mãe conversava algo que ele respondia de
maneira desatenta também.
Quanto a Martin, ele
estava na batalha com um pedaço de queijo quando terminei de analisar o
comportamento do meu pai. Ele deixou o último pedaço para minha irmã e pôde,
assim, lançar um olhar mais demorado sobre ela enquanto os outros estavam
preocupados em comer.
E depois da pizza,
pareceu-me que minha irmã demorou um pouco mais que o normal para que
pudéssemos ir embora. Ah, com certeza, era uma tentativa para encontrá-lo mais
uma vez, mas ele não voltava da entrega. Partimos.
Mesmo assim, ela não
parecia triste. O dia devia ter valido a pena. Viram-se e falaram-se.
Porém, para ele, ao
voltar e não vê-la mais lá, sentiu-se um pouco decepcionado, imagino. Malditas
entregas! Bom, ossos do ofício... Não, a noite não findaria assim.
Estávamos na varanda sentados na escada, observando as estrelas. Eu falava de algo nem
muito importante, mas gostaria, pelo menos que minha irmã prestasse atenção. Não que
ela estivesse totalmente desatenta, mas parecia que não a interessava muito.
Então, ela me pediu que fosse pegar o baralho.
E enquanto ela estava
sozinha, uma moto parou do outro lado da rua. Era ele. Tirou o capacete,
despregou um papel de cima de uma pizza, atravessou a rua com o andar elegante
de sempre, ela abriu o portão.
- Tenho uma entrega para
fazer nesse endereço – Martin disse entre sorrisos, mostrando o papel que tinha
nas mãos – Sabe onde fica?
- Contorne a praça e
vire na segunda rua à direita – ela respondeu cheia de graça – Vou te mostrar.
Vem comigo.
Ele a seguiu por alguns
passos até o outro lado a rua e mais um pouco à frente, de onde dava para
avistar as ruas mais baixas por cima da mureta da praça.
- È naquela rua. Tem uma
placa. As ruas aqui são meio confusas às vezes porque tudo parece igual, mas
não tem como errar.
- Hum... Bom, sua ajuda foi
muito útil, senhorita. Obrigado.
A conversa entre eles
era tão leve, descontraída, cheia de sorrisos e conforto, quase como se se
conhecem desde sempre.
E então, ele olhou para
a sua moto um pouco mais atrás e emendou:
- Já andou de moto?
- Há! Não, não... Sou
meio traumatizada com motos...
- Essa desculpa não
cola... Qualquer dia desses vai andar comigo. Faço questão de oferecer uma
carona.
- Ok, você me convenceu.
- Bom, então eu vou para
a entrega das pizzas... Até mais ver.
- Até amanhã, você quer
dizer.
- Ah, amanhã... –
revirou os olhos: escola. Subiu na moto e foi-se.